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ERIC NEPOMUCENO
POR QUE PRENDERAM LULA?
A última vez em que estive com o presidente Lula
foi na sexta-feira, 16 de março, num ato em São Paulo.
Três semanas depois, ele foi preso.
Naquela sexta-feira foi lançado o livro A verdade
prevalecerá,
uma minuciosa e contundente entrevista
feita a Lula
pela editora da Boitempo, Ivana Jinkings,
uma dupla
luminosa de jornalistas, Juca Kfouri e Maria Inês Nassif,
e o professor de relações internacio-
nais Gilberto Maringoni.
A pedido da editora, escrevi um perfil do Lula para
o livro,
e por isso fui a São Paulo para o lançamento,
no Sindicato dos Químicos, no bairro paulistano
cujo
nome não poderia ser mais apropriado: Liberdade.
Lula tinha se comprometido a autografar cem
exemplares
do livro quando o lançamento terminasse.
Haveria um sorteio para escolher quem levaria o
autógrafo.
Como não poderia deixar de ser, aquele não foi um lançamento
convencional. Lula falou para um auditório abarrotado.
A adíssimo, comoveu a plateia com
um discurso contundente e emocionado.
Para os autógrafos foi reservada uma sala ampla,
no segundo andar do Sindicato. Findo o ato, Lula tomou
meu braço na saída do palco e disse: “Vem comigo, depressa”.
Passamos por um labirinto de corredo-
res e escadas
e chegamos ao tal salão.
Lula, então, pediu café, água e disse que precisava
de quinze minutos para relaxar, enquanto fora
da sala
os cem sorteados eram organizados em la indiana.
Quando fiz menção de sair para deixá-lo sossegado, me disse:
“Não, não, você ca, quero apoio para
essa questão de autógrafo.
” Respondi, surpreso, que ele
com certeza tinha dado autógrafos
um milhão de ve-
zes mais que eu. Rindo, Lula rebateu: “Em livros, não.”
Durante os tais minutos pudemos conversar a sós.
Sabia eu, sabia ele, que a ordem de prisão viria logo.
Perguntei o que faria: se apresentar na Polícia Federal,
para evitar a imagem dele sendo preso, evidente sonho
de consumo dos adversários? Esperar ser preso e
dar
a imagem de presente para a Globo?
Com o mesmo sorriso pícaro que eu havia visto
muitas
vezes ao longo dos anos, a resposta foi típica
de
Luiz Inácio Lula da Silva: “E se eu der a imagem
de
presente para mim?”
Três semanas depois, no sábado 7 de abril, quando
faltavam treze minutos para as sete da noite
e haviam se
passado quase duas horas do ultimato
disparado pela
Polícia Federal, Lula – depois de dois dias
dentro do
Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo,
em São Bernardo do Campo, cercado por milhares
de apoiadores
que impediam a entrada
dos agentes federais – se entregou.
Antes, porém, negociou. Queria um ato religioso
em memória de sua companheira Marisa Letícia.
Sabia, claro, que era uma oportunidade única
de se
despedir antes da prisão. Falou para umas
vinte mil
pessoas. A Globo não teve essa imagem.
Aliás, nem
chegou perto do Sindicato: apropriou-se
da imagem
transmitida pela TVT,
a Televisão
dos Trabalhadores.
Depois de ter retornado para dentro do Sindicato,
Lula en m apareceu para ser preso. Passou por
um
corredor de correligionários caminhando
como sempre: de cabeça erguida.
A fotogra a do ato de horas antes, quando ele tinha
acabado de falar para a multidão, feita do alto
por
um jovem chamado Francisco Proner, de 18 anos,
mostra Lula sendo carregado em ombros anônimos.
O que se vê é uma gura apenas reconhecível utuando
num mar de gente. Essa imagem foi publicada
e
republicada mundo afora. Nas redes sociais,
foi vista
milhões de vezes. Ganhou a capa
do jornal
mexicano
La Jornada e meia página
do e New York Times, e
apareceu em revistas,
jornais e noticiários de televisão
de dezenas de países.
Era a imagem que a Globo queria ter e não teve.
A
imagem que Lula quis e soube ter.
É por causa dessa intuição, essa sensibilidade,
essa
capacidade de traçar estratégias, de negociar,
que, na
presidência, Lula fez o que fez para
mudar parte substancial deste país perverso,
de mazelas e abandonos,
de desigualdades de abismo.
É também por essa intuição, essa sensibilidade,
por
tudo isso, que ele foi preso.
Porque solto, Lula é um perigo para os que tratam
este país como feudo próprio. E uma esperança
concreta e iluminada para os abandonados de sempre,
que com ele viram que é possível alcançar uma
outra
realidade, que lhes foi negada ao longo dos tempos.