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FERNANDO ABREU
MESMO ASSIM UM POEMA
por enquanto estou sem meu poema
o que posso dar de mim
mais próximo do amor
arrancado e transformado em raiva
e agora estou me transformando
no que não quero
grunhindo como um porco
pensando como um porco
com fome de escuridão
e merda vingativa
mas saiba que não é fácil
enquanto me reviro
e me contorço
e guincho
minha alma canta
meu rio de janeiro
minha sampa fevereiro
meu pampa
meu sertão
meu mar
minha são luís
meu grajaú maranhense
minha infância minha vida
até aqui
estou sem meu poema
estou sem nada quase
mas eu mordo esse canto
e mastigo esse apo de luz
a contragosto
vomito e engulo de novo
uma hora vai segurar
e vai subir pelo esôfago
e sair pela boca pelos olhos pelas ventas
pelos pelos duros de porco
e minhas patas de porco
voltarão a ser mãos de homem
melhores até que antes
porque agora me falta
o dedo mínimo