Preocupado com a falta de atenção por parte da sociedade e do poder público com a preservação do patrimônio histórico de Garanhuns, Caio Lobo propõe a criação de um portfólio que tem também o objetivo de problematizar a prática de demolição indiscriminada de prédios históricos que guardam importantes memórias da cidade, em especial, de imóveis localizados na Avenida Rui Barbosa, marco da expansão e modernização da cidade no início do século XX.

Esse portfólio consistirá na produção de material fotográfico e de audiovisual dos móveis projetados e construídos pelo artista e no desenvolvimento de um site onde serão aportados os conteúdos produzidos. Para a produção do material, Caio utilizará como cenário e locação uma casa com ares arquitetônicos modernistas, desabitada, porém preservada pelos proprietários, localizada na Avenida Rui Barbosa, em Garanhuns.

A proposta é que a casa seja mobiliada com as criações de Caio Lobo, compondo uma estética em que o novo contracene com o antigo, mostrando possibilidades de aproveitamentos, conexões e preservação do patrimônio histórico. Essa é uma característica sempre presente no design dos móveis de Caio Lobo, que busca trazer uma simbiose entre a matéria prima deteriorada, como o ferro carcomido pela ferrugem e a madeira desgastada pelo tempo, resultando em peças que se apresentam contemporâneas sem esconder a raiz de onde partiram.








A história de Garanhuns tem seus primeiros registros datados de meados do século XVII. A vila de Garanhuns foi elevada a município em 1879, no entanto, foi após a construção da ferrovia, ligando Recife à Garanhuns, inaugurada em 1887, que o crescimento urbano se deu de forma mais intensa. Nesse contexto, a primeira metade do Século XX marca um momento de crescimento e modernização da cidade.

A importante avenida hoje conhecida como Rui Barbosa, localizada no bairro de Heliópolis, é fruto desse momento, foi idealizada e concretizada pelo então prefeito Euclides Dourado, com a colaboração do amigo Ruber Van der Linden.

O pesquisador José Belo (2019, p. 47), comenta sobre a criação do bairro de Heliópolis, anteriormente conhecido como Arraial:

“projetado atendendo às novas concepções de cidade moderna, já com uma grande avenida, ruas em linhas retas, quadras marcadas e medidas na busca de harmonia entre as mesmas, canteiros entre as ruas, estas pensadas para a circulação de carros, mais largas em comparação às já existentes na cidade, incentivo à construção de casas modernas e elegantes com imitação de estilos europeus”.

A grande avenida citada por Belo é justamente a Avenida Rui Barbosa, principal avenida do bairro e hoje umas das principais da cidade, criada para ligar o centro da cidade ao Monte Sinai, uma das sete colinas da cidade, e por isso inicialmente foi chamada de estrada para o Monte Sinai, sendo posteriormente denominada de Avenida Rui Barbosa.

Não há registros encontrados que apresentem uma data segura para a inauguração da avenida, mas podemos usar datas de fundação de alguns imóveis presentes até hoje na Rui Barbosa como referência, tais como: 1) O Hotel Tavares Correia, que foi inaugurado em 1927, porém antes já funcionava no local o Instituto Médico Cirúrgico Tavares Correia, fundado em 1917; 2) O Colégio XV de novembro que foi fundado em 1900, e ergueu em 1925 o prédio atual; 3) A Rádio Difusora de Garanhuns foi inaugurada em 1951. Sendo o Hotel Tavares Correia e a Rádio Difusora patrimônios históricos já tombados pelo Estado de Pernambuco (tombamentos nº 0412962-6/2010 e 005/2021[1]).

Os moradores mais antigos da avenida contam que, na época de sua construção, para adquirir um terreno bastava fazer uma petição ao então prefeito Euclides Dourado. No entanto, o pesquisador José Belo (2019) dá conta que na verdade as pessoas que acabaram por ser beneficiadas com as doações dos terrenos, geralmente tinham alguma ligação com o prefeito e tratavam-se de famílias abastadas. Essa é justamente a configuração que se vê hoje no bairro de Heliópolis, marcado por grandes casas, modernas, que abrigam a elite garanhuense.

A avenida Rui Barbosa foi sempre marcada na memória da população, para além das grandes e modernas residências, como um local também de diversão, como os desfiles realizados durante o período carnavalesco, os famosos bailes no clube da Associação Garanhuense de Atletismo e a presença do Cine Eldorado.

Com o passar do tempo, a Avenida Rui Barbosa foi ganhando uma nova configuração urbana, com residências dando lugar a prédios comerciais, um movimento que levou a configuração atual, onde é possível encontrar um polo comercial dentro do bairro de Heliópolis. São lojas de grifes, galerias, hotéis, acesso ao polo gastronômico, escritórios, bancos, clínicas de saúde e farmácias, bares e restaurantes. Assim, cada vez mais os imóveis históricos, que guardam parte da memória histórica de Garanhuns vem sendo demolidos em nome do crescimento econômico e comercial que não considera o patrimônio histórico cultural como importante e rentável.
 






A casa 444, locação do projeto “Ruínas da História”, traduz os ares da elite garanhuense na segunda metade do Século XX. Com uma arquitetura modernista e um lindo e amplo jardim, a casa apresenta características arquitetônicas típicas das décadas de 1950 e 1960, com uso de concreto armado, muita presença do vidro nas grandes aberturas, geometrização e linhas retas. O acabamento dos ambientes, é marcado pela presença de revestimento em azulejos brilhantes de cores vibrantes, como azul, amarelo e verde e pisos de tacos em madeira.

A data de construção do imóvel é desconhecida, os registros mais antigos lavrados no cartório de imóveis dão conta que a família Ferreira da Costa, pertencente a elite comercial da cidade, adquiriu a casa em 1963 para ser a residência da família[2]. O lar foi ocupado por algumas décadas, mas com a mudança da família da cidade, ficou desocupado, no entanto, até hoje o imóvel tem sido preservado e resiste ao avanço comercial e imobiliário da região. Ao lado da casa 444 encontramos uma grande galeria, e em seus arredores, um importante centro comercial, prédios novos construídos em cima dos escombros históricos de Heliópolis.

Esse apagamento da memória histórica da cidade preocupa, pois trata-se de uma diluição da identidade cultural coletiva do lugar. “Os bens, que constituem os elementos formadores do patrimônio, são ícones repositórios da memória, permitindo que o passado interaja com o presente, transmitindo conhecimento e formando a identidade de um povo” (GHIRARDELLO, Nilson e SPISSO, Beatriz, 2008). Quando destruímos nossos símbolos do passado, estamos abrindo mão do conhecimento produzido pelas gerações anteriores, é a corrente do conhecimento, da memória histórica e afetiva, que se parte.

Nesse contexto, é possível e desejável que apliquemos ao crescimento urbano elementos essenciais de bem-estar social, como a preservação dos nossos patrimônios culturais e a sustentabilidade dos nossos recursos, num movimento de conciliação entre o presente e o passado. Para além do cumprimento legal das normas de preservação do patrimônio histórico, essa visão pode nos trazer economia de bens importantes, como redução no consumo de água, energia e matéria-prima, além do incremento do turismo local.

É nesse compromisso de preservação de memórias e sustentabilidade, que o projeto “Ruínas da História - diálogo entre e design moderno e suas raízes”, junto com a casa 444, apresenta possibilidades de conexões entre o antigo e o contemporâneo.




[1] - Os bens foram tombados pela FUNDAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE PERNAMBUCO, com Exames Técnicos realizados em 2014 e 2019.

[2] - Certidão de Inteiro Teor e Prova Vintenária emitida pelo Cartório de Imóveis do 1º Ocio de Garanhuns/PE.







BELO, José. Nas colinas onde o Nordeste garoa: Narravas,
memórias e prácas de espaço na cidade de Garanhuns – PE (1937-1951).

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação
em História Social da Universidade Federal Fluminense. Niterói: UFF, 2019.

GHIRARDELLO, Nilson e SPISSO, Beatriz.
Patrimônio histórico: como e por que preservar.
Bauru, SP: Canal 6, 2008.

FUNDAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE PERNAMBUCO.
Exame Técnico Tombamento do Hotel Tavares Correia - Garanhuns/PE. Recife, 2014.

FUNDAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE PERNAMBUCO.
Exame Técnico Prédio da Anga Rádio Difusora - Garanhuns/PE. Recife, 2019.
















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   poltrona vazio

linha contra
   + poltrona contra
   + mesa de centro contra
   + banco contra

poltrona paêbirú

cadeira marionete


banco meu chapa

cadeira bissetriz

mesa de centro encomenda

banco encomenda


rack construção

mesa dark side


berço bbmltn













Misturar artes plásticas à criação de móveis sempre foi natural para Caio Lobo. Com 35 anos, o artista de móveis, como prefere ser definido, considera complexa a desassociação da arte e do design de produtos. Procura criar seus móveis, a partir de um olhar estético aguçado que soma sua competência técnica a uma relevante compreensão artística.            

Desde muito cedo, sua formação profissional se confunde com a vivência artística. Nascido na cidade de Garanhuns – Pernambuco, Caio passou grande parte de sua vida na loja de artigos de arte e móveis de seus pais, a Spaço Artes.  Apesar do convívio precoce com o comércio artístico, foi apenas após concluir o curso de Administração de Empresas na UFPE em dezembro de 2011, que Caio visitou uma feira de móveis em São Paulo, e descobriu sua aptidão profissional para o ramo de design mobiliário.

Após conhecer e conviver com alguns designers da área, Caio estreitou sua relação com a arquitetura, o design mobiliário e as artes plásticas e descobriu que poderia trabalhar com suas grandes paixões.

A criação de móveis começou em 2012. As primeiras fabricações foram na oficina de reparos da loja de seus pais. Com o auxílio de poucas máquinas e de dois funcionários da Spaço Artes, ele desenvolveu boa parte de sua mobília.

Os materiais usados sempre estão ligados as texturas táteis e/ou visíveis que eles possuem. Caio procura utilizar texturas que enaltecem o desgaste do próprio material. O mofo da madeira e a lona reutilizada são exemplos de como a natureza e o tempo podem transmitir beleza estética à produção de seus móveis. O artista por vezes, trabalha valorizando a ação natural do tempo ou confecciona, artificialmente tal desgaste, como no caso das chapas de aço oxidadas e das texturas no compensado naval.

Seus móveis foram divididos em duas linhas - ambas contendo a madeira como principal matéria prima. Uma linha mais moderna e sofisticada, que chega a desafiar a estrutura das peças e cria brincadeiras de volumes (cheio X vazio, fino X largo), e outra linha que se caracteriza por peças únicas fabricadas com 100% de material reutilizável.

Como professor e palestrante, Caio Lobo vem construindo uma nova didáticas de aulas práticas e teóricas com base na arte, arquitetura e fazeres manuais. Dando uma abordagem aos conceitos de criatividade, construção da cultura brasileira, abordagem sócio-econômica e influências internacionais. Onde ministrou cursos de artes e marcenaria na escola Lab74 em Recife e São Paulo e workshops em Design em cursos de graduação e pós-graduação voltada ao design.




A Poltrona Vazio foi criada com grande naturalidade. A ideia surgiu, conta Caio, quando ele acordou - Vazio Mental - de onde surgiu o nome "O design já veio pronto, só rabisquei ao acordar para não esquecer os detalhes e fui atrás  das dimensões mais confortáveis e então, achar um modo de produzi-la.


Quando desenhei a Vazio pensei não só no design da cadeira como também na possibilidade de escolher diferentes combinações de montagem. Pode escolher a(s) espécie(s) da(s) madeira(s) e até a cor da estrutura metálica. Dessa forma pode variar de uma cadeira mais clássica a uma mais moderna, podendo até ser uma Xiloteca (coleção de diferentes espécies de madeiras).