Relato Residência 

7 a 10 de Julho de 2022




Residentes:


André, Aninha, Aurora, Belle, Caio, Didi, Gui,
Luiz, Ledinha, Mari, Pri, Romeu, Salga.


Trajeto Cidade/Floresta
DIA 1

Chegamos na agrofloresta do sítio, Mari e Didi já estavam na casa. Pri, Salga e Gui foram na kombi e pegaram André e Luiz. Ledinha, Romeu e Aurora chegam no fim de tarde.

Abrir os portais

Montamos um ateliê improvisado na sala de música, materiais a disposição, tela aberta.
Abrimos o encontro com o tarô das Cartas do Caminho Sagrado. Luiz escolheu a carta e ganhamos a Roda do Arco-Íris (n18) - Unidade/Consciência da totalidade (Pág. 173). Leitura coletiva. Seguimos com Ledinha que nos trouxe uma experiência linda com musicoterapia, alimentando a expressão de nossas vozes e do canto que nos habita.

Seguimos na criação de um diário feito artesanalmente. Cada guerreiro do arco-íris criou seu diário para registro dos dias e pra alimentar com imagens, palavras e o que sentisse de expressar. 




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Das tantas memórias que refrescam o juízo me atenho ao reencontro com as crianças da comunidade de Amaraji. Tainára, sorridente, brincalhona, deu uma esticada, cresceu e se transformou na melhor fazedora de munganga que eu conheço, tiradora de onda, desenrolada. Mexe o buraco das narinas, orelhas, faz papo de rã e movimenta a língua de maneira que até então nunca vi ser humano nenhum fazer. Luan chegou desconfiado, ficou a vontade em cima da bicicleta, tá ligeiro, o bixo salta na coragem, tome rabiada, anda em pé porque se sentar não alcança os pedais. Na frente da casa mais distante Wesley ficou apenas observando e nosotros seguimos caminhando tamoromu arriba.











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a criança é guia e a experiência pede mote


direcionamento


o sentipensante como corpo político


contada através das celebrações que são brincadeiras




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cartas ou registros do primeiro acorde



aqui sendo agora

sinto, verde presente o som do coração da minha gente. é como se contássemos com uma única voz. seguir o fluxo das palavras sem pensar demais é um exercício para permitir que o som mais espontâneo aconteça. digo som porque palavra também é música. e se as palavras que me saem são frutos do meu ser mais verdadeiro, se nota brotando do peito um amor tão profundo que nutre de alegria o meu corpo festa / escrevo agora no quarto dia da residência acorde. escrevo no último dia por cima da primeira página. estou sentada na varanda do Tomoromu, os guerreiros do arco-íris (muitos risos) foram caminhar na mata, semeando alegria e despertando a inteligência sensível nos corpos sutis. e você, que também sou eu, sangra rebolando as dores no mato. só estou sentada, do meu lado esquerdo uma brisa fria faz carinho na minha pele e meus cabelos, do meu lado direito, o som da bica cachoeira, palco de criação. se você consegue me ler, sentindo o que sentimos juntas, aqui, presente em Tomoromu, quer dizer que meu corpo sensível está gravado acessando o meu espírito. só em Tomoromu, eu vejo a minha frente bananeiras em primeiro plano, por trás delas um horizonte distante, imenso, verde, alto, diverso, ensolarado mas com nuvens frias atravessando. me sinto em paz. se você chegou até aqui, eu te agradeço a atenção. é que o mundo tá vibrando na aceleração e enquanto escrevo tantas letras, pessoas amigas entram na mata celebrando a vida. levanto pois o sol chegou. me banho ao sol, em cima da pedra, ao lado da fogueira, em frente ao portal. seios nus brilham ao sol, meu ventre se abre, minha pele esquenta. brilho em presença. como uma laranja e faço amor com minha natureza. sento na pedra com este diário na mão, sensível ao som do mundo que criamos. a música me invade, estou desenhada na paisagem. se eu fosse o olhar com uma câmera de alguém de fora de mim, me veria de cima, um pontinho lá em baixo, como a formiga que acaba de atravessar esta página enquanto me sinto como ela. pequena, integrada e colaboradora nesse ecossistema de criação / as palavras sempre me atravessam, é como se eu guardasse, colecionasse sensações para o futuro. as imagens complementam esse trabalho de dar forma às sensações. as imagens e as palavras se integram e dançam na busca de sentido. minha mente fértil vibra com essa simbiose. se você ainda me lê, o sol abre e esquenta essa página, que ganhou uma textura de palavras, criando uma camada por cima dos desenhos que criei em chã grande, outro lugar magia de onde começamos a nossa história residente e quando esse espaço aqui vai findando, sinto de resgatar as cores das plantas que ilustrei por baixo dessas palavras. a palavra materializa, registra e conta história dentro da biodiversidade das ideias. aqui está minha cabeça tentando elaborar o que sinto. comecei esse texto ansiosa por completar esta página, termino o texto satisfeita e agradecida pelo tempo deste momento. como uma oração a existência humana. seguimos plantando sementes. se você ainda me lê, saiba que eu existo por que você existe.

Tamoromu, 10 de Julho de 2022.

Priscila Lins







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conversa de sonhos

quiabos cantam
xua xua
e a chuva lá fora
é pra dizer que aqui dentro
em  voz acanhada
o grito é celebração

agulha é feito facão
tem que guardar na bainha

a pérola nasce
do desconforto da ostra

e conversa de sonhos
alimentam o ser

salga








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Unidade

Vivenciar o encontro e compartilhar dias e noites sempre é especial e, com quem já se tem um fluxo, é melhor ainda. Agradeço a vocês por me convidarem e por estarem proporcionando mais uma forma de sentir.

Vou falar um pouco o que me move hoje, até pra escutar vocês, saber se faz sentido também pra alguém. Junto, então, todos os mergulhos que venho escrevendo na minha pele, experiências de escola, de curso técnico, de faculdade, do meio artístico, dos diversos modelos de empreendimentos que tomei rédea e dos que fui cavalo, dos empregos estatutários, federais e de organização mista, que suportei por poucos meses, e a última experiência de juntar as pessoas em um modelo econômico individual, mas de uma construção do organismo unidade entre elas. Pessoas envolvidas direta e indiretamente. Assim, após aproximado um ano do fechamento do Flô, entre viagens e rescisões, me vem chegando um chamado pra experienciar um modelo que poderíamos chamar de pós capital, que seria encontrar caminhos para a vida humana harmônica entre todo o conhecimento do conforto e a natureza.

Como hoje tenho essa chance de conforto, esse "privilégio" de poder experienciar o novo, sinto que esse é um grande chamado para uma construção social, para pensar num novo modelo harmônico, com um caminho de transição árduo e doloroso, mas com seus momentos de celebração

O resgate da confiança é primordial, entre humanos, entre humanos e natureza, entre humanos e a espiritualidade. Assim construiremos esse novo estado de consciência.

Quando juntos novamente, poderemos juntar a esses encontros o estado de sermos, só sermos, sem deslumbre do viés comercial ou da necessidade de mostrar para outras pessoas. Sinto que agora é o encontro, é o momento de criação e entrega. Esse mergulho no "vazio", que está cheio de vida, nos trará o resgate da unidade. Os desafios impostos aguçarão a criatividade, o poder do improviso, as intempéries da vida. E o nosso convívio ditará nossas personalidades. Então mergulharemos no mais íntimo limite entre as pessoas, e é no espinho que encontraremos a força da resistência.

Se colocar a prova do novo, do mergulho entre esses dois mundos, isso pode construir essa nova era.

Pois esse é um imenso papel social pra agora. Viverei isso em meus processos individuais (respeitando o caminho de transição), mas viver isso em grupo, nem que seja por poucos dias, será fantástico!

Entendi se que, quando se mostra em imagens, você é o produto. Assim, seu estado de presença se projeta e se perde na imensidão das possibilidades.

O excesso de cuidado, nas palavras, nas ações, pode podar o aprendizado, pois o erro e o desconforto ampliam nossas fraquezas e abrem a capacidade de aprendizado.

Vamos pensar num encontro em que pudéssemos experienciar esses dois mundos e abrir ainda mais nosso horizonte.

E aí, vamo nessa?

Bom dia 🌻 Boa semana

7 de julho
Guilherme Malthus











conversa segue ........................................................................................................................................................................................................................................................................................................................... >