Entrevista • > Práticas Compartidas < , 2021 [um salve durante a pandemia]


Você se vê feliz agora juntando seu trabalho na publicidade e a arte ou gostaria de não trabalhar com publicidade?

Feliz eu tô quando os boletos estão pagos e eu posso dançar.
Não digo que não gostaria de trabalhar com publicidade, apesar de desgostar do termo publicidade. Em meu desgosto o lucro não pode ser o único propósito, minimamente uma mão. Se a mão direita paga os boletos a esquerda faz do suor a brincadeira.


Pode a brincadeira estar no lado esquerdo e ajudar a pagar os boletos também?

Deve se buscar. Sair do umbigo. Se posicionar na roda. Rodar em rodas. Entre o frevo e a capoeira a muganga brinca. Ginga como ato de respiro. Fazer da poesia o pirão. Fazer pirão chegar em mais mãos, se si puede dar a mão, si se puede dar as mãos.  


As duas mãos são ligadas por um único corpo, como talvez não dividi-las e integrá-las cada vez mais? É possível?

Na prática ela é indivisível. Um único corpo okupa o lugar. A divisão é a fuga de um sistema em kolapso, para além de um binarismo, de uma ditocomia, uma possibilidade de se encontrar em equilíbrio, de estar em outra movida se movendo ao mesmo tempo que é movido. Korpo-político em processo.


Quando você fala da "movida" é porque interessa mais o 'movimento' gerado entre as pessoas nesse processo do que qualquer produto gerado como resultado, é isso?

Nem sempre é consciente, o inconsciente é quem mais sente. E sentir as vezes requer tempo para traduzir em palavras. De repente você desaprende o que nem aprendeu e entende que voltar é ir mais adelante. Arrudeia para chegar em outro mesmo lugar. Faz da movida a brincadeira e a consequencia é um sorriso ainda que dormindo.



Você vê meios de reavivar as brincadeiras como coisa séria (séria no sentido de ser tão importante esse ser brincante para vida humana) levar pra cidade, propostas de liberação dos corpos?

É mais que coisa séria. Não dialogar com um pedido de criança repercute em um adulto problemático. Muitos adultos problemáticos = sistema burocrático. Aprisionamento do inexistente. Mesmo adultas é a criança quem assume o controle, quem cultiva a possibilidade de plantar uma nova cidade. 

Como "plantar uma nova cidade" sem ter acesso à rua e à própria cidade?

Se soubesse, eu não usava palavras. A falta de acesso é a fertilidade: a necessidade de expandir para outras direções, colocar novas atitudes no bolso, transitar conhecimentos, escutar novas margens, dar voz a outras existências, ser comunidade: se falo é porque converso. É no encuentro que se habita las possibilidades de plantar una nova cidade. Escrever é jogar semente. Ler é adubar. Que espécie você cuida? Quanto maior a biodiversidade, maior é a sua ecomusicalidade.

Queria ouvir mais sobre a ecomusicalidade.

"não há pássaros, insetos, bichos ou sons de qualquer tipo de vida. Monocultura são verdadeiros desertos […] quanto mais biodiversidade, mas densa é a sinfonia em uma floresta" 
Jorgge Menna, sobre a obra Restauro da 32 Bienal de São Paulo, entrevista concedida à jornalista Marília Miragaia em agosto 2016.

Ecomusicalidade é um termo discutido dentro do Acorde a Floresta. Grupo de diálogos e práticas sobre sistemas agroflorestais musicais, o cultivo da paisagem sonora como forma de vivência.

Em "Acorde a floresta"tem um jogo de palavras em "acorde"?
O verbo acordar e o acorde musical.

Dé Arribas foi quem trouxe o termo para o grupo. Estávamos fazendo pequenos mutirões com a ideia de alimentar um SAF Cultural, um SAFEcomusical, aprendendo e plantando espécies diversas utilizadas nas brincadeiras da cultura popular, espécies sonoras, vivênciando a mata, escutando o silêncio. Despertando para as práticas artísticas como forma de encontro, de celebração da música em todo o ciclo, sociedade~ambiente. 


Quais os seus desejos para o projeto 'acorde a floresta' até o fim desses encontros?

Que a diversidade dos encontros sigam expandindo. Que possamos plantar palavras escrevendo sementes. Que a música da floresta seja alimento de nossas celebrações. E se muito não for, desejar que o fim seja apenas outra possibilidade de começo. 


Você ainda acredita numa vida longe das florestas?

Fora da Terra eu seria capaz de imaginar, mas é tão urgente a gente ser agente e entender a Terra como um organismo vivo no qual inter-relacionamos. Nesse exato momento alguma espécie acaba de entrar em extinção, um pedaço da nossa diversidade que deixa de existir e ainda não conseguimos sentir como isso nos afeta. 

Tengamos dito, o agro não é pop, agro da golpe, agro mata, derruba floresta, envenena, mau paga imposto, fomenta a desigualdade, agro é tóxico é monocultura, não discute aquecimento climático, crise hídrica e desertificação, excluem os povos originários, e até do ponto de vista do capitalista, existem outros negócios mais rentáveis que o agronegócio.

Se dou volta na pergunta é porque ela me leva a uma utopia que necessita de uma resposta imediata e tengo para mi que a reforma agrária popular es un camino para el bien vivir.